Eurípedes Barsanulfo

Reencarnou na pequena cidade de Sacramento, Estado do Minas Gerais, no dia 1 de Maio de 1880.

Foi um dos 15 filhos do casal Hermógenes Ernesto de Araújo e de D. Jerónima Pereira de Almeida (D. Meca).

Família de parcos recursos e ainda por cima com problemas graves de saúde, quer do pai, quer da mãe.

Eurípedes era uma criança inteligente, viva, possuidor de um dinamismo precoce, amigo da leitura e do estudo.

Deparou-se-lhe um problema ainda em criança: Como adquirir os livros necessários à sua instrução e avidez de conhecimento se o pai, pobre, não os podia comprar.

Carregava as malas para os viajantes, da Estação de caminho-de-ferro de Cipó até à Cidade de Sacramento e arreava-lhes os cavalos.

Com este rendimento saciava a sua sede de conhecimentos, comprando os livros necessários, os quais lia avidamente e através dos quais o seu espírito não só recordava, como burilava ainda mais o que já havia armazenado em existências anteriores.

Desde cedo Eurípedes demonstrou a elevação do seu espírito e a bondade dos seus sentimentos: não permitia que se maltratasse um animal e insurgia-se contra os companheiros, quando estes o faziam.

Ainda que criança, não viveu as diversões naturais e comuns à idade, não porque lhe repugnassem, mas porque o seu tempo era limitado ao trabalho, ao estudo e à leitura, pois adiantado como era, tornou-se auxiliar do pai, fazendo a escrita da casa comercial.

Toda a família era Católica, Apostólica Romana.

Quando criança, Eurípedes auxiliava, como acólito, o sacerdote, participando directamente de todas as liturgias e festividades religiosas.

Mais tarde, chegou mesmo a ser secretário da Irmandade de S. Vicente de Paula.

Bom filho, irmão dedicado e cidadão exemplar, era um exemplo dignificante para os moços da sua idade, impondo-se pela sua moral e inteligência; por isso era imprescindível em todas as iniciativas que visassem o bem-estar e o engrandecimento da sua terra.

Fundou, com outros companheiros, a Gazeta de Sacramento, por ele redigida durante dois anos, e o Liceu Sacramentano, no qual leccionou de 1902 a 1906, com toda a dedicação e eficiência.

Foi vereador durante seis anos, onde se revelou pela sua inteligência aprimorada e culta, pelo dinamismo, pelo trabalho e pelo exemplo, contribuindo assim para o engrandecimento do lugar onde vivia e residia.

Por se ter tornado esta personalidade imprescindível, respeitada e venerada por todos, num meio social pequeno, fechado e confiado às convicções do Catolicismo, a sua conversão ao Espiritismo haveria de representar um acontecimento social por demais chocante para a época.

Como se tornou espírita

Um dos seus tios, já com família constituída e também numerosa, de vez em quando conversava com Eurípedes, versando sobre a Doutrina de Kardec.

Eurípedes, inteligente e perspicaz, amigo da Verdade, ainda que as explicações do seu velho tio, inculto, não o preenchessem, sentia que os pensamentos e os argumentos eram razoáveis e estavam ainda acima do seu saber e do seu conhecimento.

Sua madrinha, D. Emerenciana, à qual Eurípedes dedicava grande amizade e consideração, pelas suas qualidades nobres, dignas e sinceras, era frequentadora assídua dos trabalhos do Centro Espírita, no povoado de Santa Maria, a 18 km. de Sacramento.

Nessa época, Eurípedes era Presidente da Irmandade de S. Vicente de Paula. Com a atenção desperta e curioso com as revelações que a madrinha lhe ia fazendo em relação às “almas do outro mundo“, pediu ao Padre António Teodoro da Rocha Maia, que era o pároco da cidade, uma Bíblia emprestada.

Leu um capítulo e, a convite da sua madrinha, foi assistir a uma sessão de trabalho; voltou maravilhado com a explanação da passagem que tinha lido sobre Lucas – explanação exposta e interpretada com facilidade, por um rapaz rústico e sem nenhum conhecimento sobre as Escrituras.

De novo presente a outra sessão, ouvia agora uma nova explanação sobre o capítulo de João o Evangelista, feita por outro médium, ainda mais simples e atrasado que o primeiro.

O seu tio, Mariano Ferreira da Cunha, que era o dirigente destes trabalhos, recebeu uma comunicação de Vicente de Paula, dirigida a Eurípedes, revelando-lhe que era seu protector, que o amparava e o vigiava desde o berço; esperava pela hora oportuna; essa hora tinha chegado e convidava-o à luta em prol da 3.ª Revelação.

No dia seguinte, numa atitude sincera, Eurípedes dirigiu-se ao Padre para lhe entregar a Bíblia e ao mesmo tempo depor em suas mãos o cargo de Presidente da Irmandade de S. Vicente de Paula.

Que se passou entre os dois, no recesso da Sacristia?

Apenas sabemos que o vigário saiu sob forte traumatismo, em camisa-de-forças, conduzido numa carroça.

Este acontecimento teve grandes repercussões, não só na cidade, mas também na maioria dos membros da sua família, quase todos católicos praticantes.

Em poucos dias começou a sofrer as primeiras consequências da sua atitude:

Viu-se abandonado pelo Padre, que consigo arrastou os demais Professores do Liceu, os Amigos e os Paroquianos, ao mesmo tempo que iniciavam uma tremenda perseguição contra ele.

Persistiu leccionando, incluindo nos programas curriculares o ensino do Espiritismo.

Foi procurado pelos Pais dos Alunos, que chegaram a oferecer-lhe dinheiro para não incluir o estudo da Doutrina Espírita no Colégio. Ante a sua recusa, porém, os alunos foram sendo retirados.

Sob fortes pressões e perseguições impiedosas, sofreu forte traumatismo moral, ficando obsedado.

Tornou-se necessária a sua transferência para Santa Maria, onde, em poucos dias, ficou completamente restabelecido.

E foi ali, naquele pequeno núcleo espírita de Santa Maria, que Eurípedes despertou para a sua vida missionária; suas mediunidades desabrocharam, preparando-se para a Missão Sublime que tinha de cumprir: PREGAR A DOUTRINA, ENSINAR e CURAR ENFERMOS.

Quando o trabalhador está pronto… o primeiro caso de cura foi o de sua mãe

Há mais de 40 anos que sua mãe era perseguida por uma entidade que, sob influências maléficas, lhe provocava distúrbios contínuos, que jamais foram aliviados pela ciência médica.

Com o choque dos acontecimentos – o filho negando publicamente o Catolicismo, a religião da família; a fase da sua obsessão; perseguições e pressões contra ele e, indirectamente, contra a família, foi-se enfraquecendo cada vez mais, tornando-se presa fácil, com influências cada vez mais fortes do seu obsessor, ficando completamente perturbada das faculdades mentais. Tratada por Eurípedes, restabeleceu-se de imediato e, com o desenvolvimento das faculdades mediúnicas – curadora e vidente – foi, desde então, uma auxiliar de grande valor, durante toda a missão maravilhosa do filho.

Esclarecida a sua Razão e o seu Raciocínio pela leitura, pela vivência do Evangelho e, sobretudo, pela voz que a incentivava ao cumprimento do dever, dispôs-se à luta, corajosamente, prevendo os trabalhos, os sacrifícios e as grandes responsabilidades que lhes pesariam, para o futuro – sobretudo para com aqueles que ali aportavam, debatendo-se com doenças, desespero de sofrimento, da falta de fé e principalmente da desilusão resultante dos ensinamentos ministrados por outros credos, onde não encontravam amparo e lenitivo, apesar das dedicações e sacrifícios.

Todos quantos ali chegavam, de lá não saíam sem levar, quando não a recuperação da saúde perdida, pelo menos no coração e na alma, a Fé Revivescida e a Esperança Renovada, para um futuro iluminado pela Verdade:

  • O desesperançado recebia o roteiro para novas caminhadas;
  • O sofredor, o alívio preciso;
  • O enfermo, os medicamentos para minorar os males;
  • Os obsedados, libertavam-se das forças subjugadoras, iluminando-se para uma nova caminhada, para o cumprimento das suas missões mediúnicas;
  • O infeliz, o consolo e a esperança no poder de um Deus de bondade, amor e justiça;
  • Os paralíticos, os cegos, os aleijados encontravam a fé e a compreensão que atenuavam a revolta e o desespero;
  • Os portadores de moléstias repugnantes, agradeciam a mão caridosa que pensava as suas chagas e, mais do que isso, a compreensão do Porquê das suas vicissitudes. Eram, acima de tudo, o conselho amigo, as palavras de consolo, o amparo, o sorriso, as demonstrações de fé e humildade, o incentivo, a esperança, que supriam muito mais do que os medicamentos, que muitas vezes se mostravam incapazes de aliviar as provações e os resgates. Durante 15 anos, Eurípedes manteve uma distribuição gratuita de medicamentos, recebendo parcos auxílios e ampliando-os com o seu ordenado; era orientado pelo Dr. Bezerra de Menezes (o médico dos pobres) e Vicente de Paula, seus Espíritos Guias.

Levar a doutrina aos necessitados – eis o papel das instituições

Com pendor para o Magistério e prevendo a necessidade de fazer crentes através do estudo e do conhecimento, jamais suscitando adesões pela via do fanatismo dogmático ou da fascinação pelo fenómeno, fundou o Grupo Espírita Esperança e Caridade, em 1905, onde iniciou o Estudo Evangélico e Doutrinação.

Durante 12 anos presidiu aos trabalhos do Centro por ele organizado e com as mediunidades curadora, receitista, audiente, vidente, sensitiva, intuitiva, psicográfica e psicofónica, para além da bi-locação, representava a luz potente que, como farol em Sacramento, iluminava a vastidão da terra brasileira, atraindo os peregrinos da vida, nas suas caminhadas por entre lutas e desesperos e, mais importante, despertando consciências para o estudo e perquirição do intercâmbio entre os dois mundos Material e Espiritual.

Médium vidente extraordinário, audiente sensibilíssimo, era o espectador relacionando bem tudo o que se passava nesse intercâmbio entre os dois mundos, o que facilitava a perfeição dos seus trabalhos práticos.

Kardecista sincero, jamais procurou inovações para os seus trabalhos, condenando toda e qualquer manifestação ou atitude que não se conciliasse com os ensinamentos básicos da Doutrina.

Foram tantos e tão sublimes os resultados obtidos com a sua mediunidade, que Sacramento se tornou, com o tempo, um ponto de convergência, um vasto hospital, onde peregrinos das mais longínquas paragens iam, à procura do lenitivo para os seus males e a atenuação das suas provações.

No dia 1º de abril de 1907, 2 anos após a fundação do Centro Espírita Esperança e Caridade, inaugurou o Colégio Allan Kardec, homenagem das suas convicções, que não permitiam fraqueza nem dúvida.

Funcionou, ininterruptamente, desde a sua inauguração, com uma média de 100 a 200 alunos, até 22 de Outubro de 1918, época da epidemia da gripe espanhola, quando, por força das circunstâncias, se fecharam, durante algum tempo, todos os estabelecimentos de ensino do País.

Eurípedes transformou aquela casa de ensino num oásis de aprimoramento para o espírito. Alfabetizou milhares de crianças, sem carácter obrigatório, sem distinção de raça, cor, fortuna e religião. Preparou milhares de criaturas para a luta em prol do engrandecimento da pátria e em benefício da Doutrina, plasmando crentes pelo estudo e pela compreensão.

Às 4.ª-feiras Eurípedes fazia uma palestra para os alunos do Colégio, à qual assistiam dezenas de famílias, atraídas pela palavra fácil e eloquente de Eurípedes, bem como pelo fundo moral e doutrinário que encerravam.

Em 1918, a pavorosa gripe que assolou o mundo, veio redobrar o trabalho de Eurípedes que, à cabeceira dos seus enfermos não se cansava de auxiliar centenas de famílias pobres, chegando ao fim de sua missão terrena.

Esgotado pelo esforço, veio a desencarnar pelas 6 horas do dia 1 de Novembro, rodeado de amigos, parentes e discípulos.

Hoje, Eurípedes Barsanulfo, espírito de uma grandeza moral apenas patenteada pelos que já atingiram a esfera crística, continua fazendo parte da falange do Bem, orientando, consolando, amparando.

Discípulo digno do Mestre, o médium de Jesus, hoje fora do alcance dos olhos materiais, mas, nos momentos de aflição e de desespero, sempre visto pelos olhos do espírito!